MILAGRE DA CELA 7
Artigo escrito por ,,Teresa Esteves da Fonseca
O Milagre na cela 7 chegou dia 13 de Março a Portugal através da plataforma de srteaming mais badalada do momento, a Netflix. Trata-se de um remake de um filme sul-coreano de 2013, com o mesmo título, rigorosamente a mesma história e as mesmas personagens, com a diferença de o filme original se tratar de uma comédia dramática, e esta adaptação é manifestamente um drama. A acção central do filme foca-se em Memo (,,Aras Bulut Iynemli), um homem com deficiência intelectual, e a sua filha Ova (,,Nisa Sofiya Aksongur).
A narrativa é, toda ela, um flashback. A primeira cena conta com Ova a ouvir a notícia, pela rádio, de que a pena de morte tinha sido oficialmente abolida na Turquia, A partir daqui a história relata a relação pura entre pai e filha, apesar das limitações intelectuais do progenitor.
Memo é injustamente acusado do homicídio da filha de um tenente – o nosso vilão que tenta a todo o custo, e sem qualquer tipo de escrúpulo, vingar a sua perda, canalizando essa sede de vingança para o pobre e inocente Memo. Quando chega à cela 7– cela que divide com bastantes outros reclusos- depara-se com corações empedernidos e malvados, que se aproveitam da sua inocência para expurgarem a violência que têm (também por acharem que Memo é um assassíno de crianças- crime indesculpável num certo código ético entre reclusos).
O processo jurídico de acusação contra Memo parece totalmente indiferente à sua evidente inimputabilidade, ainda que o homicídio tivesse sido cometido por si.

Não é de estranhar que este filme tenha tido tanto impacto por todo o mundo. Em Portugal, por exemplo, só o fenómeno La Casa de Papel suplantou o sucesso deste “milagre”. Não é de admirar, pois encontramos, neste filme, todos os ingredientes para formar um cocktail sentimental do princípio ao fim. É talvez este o maior pecado do filme: a chantagem emocional. Há demasiados truques demasiado evidentes para prender o espectador. Desde a inocência descarada e indubitável (para o espectador) de Memo, passando pela crueldade e falta de empatia extrema dos reclusos com quem ele partilha cela, até à falta de escrúpulos pouco credível do tenente. Há, ainda, uma personagem que nos é apresentada sempre envolta em mistério que, para surpresa das surpresas, se torna chave fundamental no desfecho da história. Esta personagem é um elemento interessante e fundamental, mas que poderia ter sido usado com mais parcimónia.
No entanto, não é de desprezar a profundidade com que alguns assuntos foram abordados, e que podem falar muito à sociedade, e à maneira como olhamos para a natureza humana, mesmo daqueles que cometeram crimes e estão encarcerados por eles. Perante a pureza sem filtros de Memo, e depois de muita hostilidade em relação a ele, os reclusos com quem partilha cela vão sendo, um a um, provocados interiormente. A narrativa do filme dá-nos conta de uma certa organicidade na postura de vida dos reclusos quando confrontados com a genuinidade quase infantil de Memo, e vemos uma tentativa de redenção que cada um vai experimentando. A redenção é a chave de leitura essencial para O Milagre da Cela 7. É através dela que o enredo nos surpreende, e através dela que esta história se cumpre. Para os espectadores que ainda não tenham visto o filme, é importante irem com a palavra redenção como pano de fundo.

As personagens do Milagre na Cela 7 acabam por ser personagens-tipo, isto é, caricaturas, que nos oferecem reflexões sobre a natureza humana e os seus excessos (no bem e no mal). Contam com interpretações brilhantes de Aras Bulut Iynemli e Nisa Sofiya Aksongur nos papéis principais (Memo e Ova, respectivamente).
Quem está familiarizado com o trabalho da APAC sabe que “ninguém é irrecuperável”, e que todos, sem excepção, são dignos de segundas oportunidades. O Milagre na Cela 7 é, também, uma história de segundas oportunidades. A todas as personagens é dada uma segunda, terceira, quarta, oportunidade. Aos bons, aos maus, aos mais ou menos. Nem todos agarram essa ocasião (o nosso tenente malvado, por exemplo), mas a todos é dada essa liberdade. É, por fim, comovente (e aqui não faço cerimónia em levar-me pelo lado emocional) ver a escolha dos reclusos companheiros de Memo pelo bem, a transformação a que eles próprios se permitiram, e a liberdade com que cada um se empenha na tentativa de resgate de Memo daquela situação injusta e arbitrária.
Ficha técnica
Realizador: Mehmet Ada Öztekin
Argumentistas: Özge Efendioglu,Kubilay Tat
País: Turquia
Ano: 2019
Distribuição: Netflix
Título Original: Yedinci Kogustaki Mucize
Duração: 2h12m
Estreia: 19 Outubro 2019 (Turquia) 13 Março 2020 (Portugal)
Teresa Esteves da Fonseca
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