“PIS D’ACOLLIDA”

HÁ MAIS DE 20 ANOS A ACOMPANHAR A REINSERÇÃO

Chaves no nosso processo de acompanhamento

Escrito por: Esteve Serna Rosselló.

O nosso Projeto “PIS D’ACOLLIDA” consiste num programa de reinserção para indivíduos que tenham cumprido uma ou mais penas de prisão, e se encontrem, além do mais, em situação de exclusão social no momento de saída da prisão. Trata-se de um programa global que inclui cobertura habitacional, da alimentação e das necessidades básicas, assim como o acompanhamento pessoal no processo de reinserção sociolaboral.

Iniciámos este programa há mais de 20 anos, gerido unicamente por voluntários, e com o tempo temos vindo a profissionalizar e a ampliar o nosso trabalho. Neste momento, contamos com numerosos voluntários, 8 profissionais, 2 centros de residência e um Centro de Atenção Ambulatório.

Durante anos de experiência acumulados, queremos destacar aqueles elementos em que acreditamos que são a chave no processo de acompanhamento que realizamos com os residentes nos nossos centros:

VINCULAÇÃO:

“Ninguém confia num estranho”. Acompanhar processos de reinserção, aprofundar os problemas profundos de uma pessoa, da própria família, da vida, do delito, do sofrimento, só se pode fazer com confiança. Acreditamos que um passo fundamental prévio para acompanhar o caminho da reinserção está em conseguir uma vinculação profissional e pessoal suficientemente estável e profunda para que o protagonista deste processo possa contar e confiar em nós. Partilhar tempo, escutar histórias muitas vezes repetidas, conhecer pessoalmente cada residente antes da sua saída em liberdade, a sua visão do retorno, os seus medos, as suas aspirações e tudo aquilo que são capazes de verbalizar, vai criando vínculos entre os internos e os profissionais que são elementos prévios imprescindíveis.

DIGNIDADE:

“Dignidade significa que mereço o melhor tratamento que poder receber” (Maya Angelou). Com demasiada frequência, os serviços e projetos sociais, seguramente por falta de recursos e por ideias equivocadas sobre a marginalidade, têm-se vindo a adaptar ao “vale tudo”, conformando-se com recursos e serviços escassos a todos os níveis, tanto de equipamentos como de recursos humanos e não é estranho encontrar centros e projetos no nosso país que se aproximam do limite do tolerável e do habitável.

Desde o início do nosso projeto PIS D’ACOLLIDA temos apostado por padrões de equipamentos e recursos que têm sempre como objetivo o melhor tratamento possível. Desde instalações com habitações/quartos individuais para cada residente, onde se pode respeitar a sua privacidade, a profissionais suficientes para poder atender às necessidades globais dos mesmos.

Acreditamos que quanto pior for a situação pessoal das pessoas, mais recursos elas precisam para avançar. Recursos que devem ser regidos, por sua vez, por três princípios: Responsabilidade, Familiaridade e Personalização.

RESPONSABILIDADE:

“Sou eu quem conduz a minha própria vida”. Sabemos por experiência própria que nem sempre tudo é possível, que nem sempre alcançamos as nossas metas e que o dia-a-dia é frequentemente um jogo de adaptação às circunstâncias que nos rodeiam e nos acontecem. Mesmo assim, sermos pessoas responsáveis é uns dos elementos que nos traz maior dignidade pessoal, e ao mesmo tempo maior satisfação.

O sistema prisional, na sua própria estrutura de privação da liberdade, é uma máquina de desresponsabilizar pessoas. Desde o simples gesto de abrir e fechar uma porta, decidir o que comer, até à gestão administrativa e do próprio tempo, são sempre intermediadas pela instituição prisional e, portanto, o indivíduo privado da sua liberdade, progressivamente, vai perdendo e delegando a sua responsabilidade nos outros (educadores, funcionário, ONG’S…).

No nosso programa, trabalhamos todos os dias para reconstruir a responsabilidade das pessoas. “O que tu podes fazer, ninguém pode fazer por ti”. É uma mudança, um processo de aprendizagem, mas ao mesmo tempo um estímulo para recuperar a autonomia.

FAMILIARIDADE:

“Tudo, em pequena escala”. Acreditamos firmemente que só se pode trabalhar em profundidade a partir de dimensões reduzidas, nos centros, em proporções profissionais e nas atividades de grupo…

Porque é a dimensão natural das pessoas. Os grandes grupos, utilizamo-los sociologicamente para expressões pontuais de ideias, de festas ou eventos desportivos, mas não para o nosso desenvolvimento pessoal quotidiano. Necessitamos um sentido de identidade e de pertença que nos faça sentir como pessoas reconhecidas.

A pequena escala, também se refere ao cuidado dos pequenos detalhes do dia-a-dia. Tentamos cuidar de gestos pequenos e humanizados como a simples celebração de um aniversário, gestos de proximidade, partilha de sobremesa, etc.

PERSONALIZAÇÃO:

“A arte da reinserção possível”. Como profissionais, corremos o risco de normalizar e prever de forma equivocada os processos de cada pessoa, os seus objetivos e as suas metas. Como último elemento-chave no nosso processo, queremos destacar a personalização imprescindível na nossa estrutura de trabalho.

É necessário saber ouvir e entender os objetivos e necessidades de cada residente. Isso significa que na PIS D’ACOLLIDA não existem normas, exigências, prazos, tarefas, etc. Certamente, a convivência e as nossas possibilidades marcam e definem-nos do que é possível e do que não é, mas é muito importante encontrar esta “arte do possível” para não sobrecarregar as pessoas com os nossos objetivos (que nem sempre são os deles) o que seria o mesmo, ao fracasso. Saber encontrar esta “arte” de acompanhar pessoas no seu caminho pessoal, não com uma estrutura rígida, mas sim com um apoio e estímulo.

Este artigo foi originalmente escrito em espanhol e posteriormente traduzido para português pela equipa da RESHAPE.

Fotografia de Heidi Fin, via Unsplash.

Esteve Serna Rosselló

Esteve Serna Rosselló

Diretor Executivo Projetos Associação Pastoral Penitenciária

Trabalha em colaboração com os Centros Penitenciários

de Mallorca desde 1999 e é responsável dos Projetos de Reinserção da APP desde 2004.

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