O TRABALHO COMO ALAVANCA PARA A (RE)INSERÇÃO

Escrito por: Inês Tavares.
2022 está a ser marcado por grandes transformações no meio laboral. Uma pandemia, a normalização do teletrabalho, uma guerra e a inflação fizeram com que muitas pessoas mudassem a forma como encaram a vida laboral. Fala-se em “quiet quitting”[1] e na “Great Resignation”[2], as pessoas falam abertamente sobre recusar trabalhos que não ofereçam um bom balanço de vida-trabalho ou um salário dentro das suas expectativas e necessidades. Por outro lado, temos caos nos aeroportos por falta de pessoal e as empresas falam sobre a dificuldade que sentem em recrutar e manter trabalhadores.
Desde 2020 que o meu trabalho na RESHAPE está ligado à empregabilidade das pessoas que acompanhamos. Não é difícil entender a importância do trabalho na vida de uma pessoa – é como ganhamos dinheiro que nos permite ter uma casa, comida e suportar a nossa família, mas é também aquilo a que damos 40 horas semanalmente. Logo, o trabalho vai ser sempre um tema central na RESHAPE: o desemprego e a pobreza são dos maiores fatores de risco no que toca à reincidência criminal.
O primeiro trabalho após a reclusão é sempre o mais difícil e o mais importante, devido à urgência de conseguir arranjar maneira de obter bens essenciais que seja conciliável com todas as dificuldades consequentes da reclusão: problemas de saúde física e/ou mental, dívidas, problemas com documentação, procura de habitação e a reconstrução de uma vida social. Também é este trabalho que irá permitir arranjar algo melhor a seguir e começar a acreditar na possibilidade de sair da precariedade, através do aumento das qualificações ao longo desta nova jornada no mercado de trabalho.
Assim, a Reshape Ceramics nasceu com uma missão simples: dar uma oportunidade de formação e trabalho a pessoas da comunidade prisional. Como gostamos de dizer: nós não contratamos pessoas para fazer cerâmica, nós fazemos cerâmica para contratar pessoas. Dando formação e um salário digno aos nossos artesãos enquanto ainda estão em reclusão e dando um emprego de transição após a sua libertação, bem como acompanhamento individual, nós tentamos eliminar algumas das maiores dificuldades associadas a este período.
Com a Reshape Ceramics nós queremos mostrar o talento e potencial que existem na nossa comunidade prisional e qualquer pessoa que já tenha uma das nossas peças pode confirmá-lo. E como é que o conseguimos? Apostando e investindo em cada um dos nossos artesãos, dando-lhes todas as condições que precisam, formação para que sejam melhores no que fazem e ouvindo o seu feedback.
E quando um dos nossos artesãos está pronto para sair do projeto, dando o seu lugar a outro que precise mais, nós procuramos que o seu trabalho seguinte tenha, pelo menos, as mesmas condições que ele tinha connosco e, só isso, já é difícil. Desde ofertas de “trabalho” sem contrato a requisitos exigentes para trabalhos de salário mínimo com folgas e horários rotativos, parece que as vagas de trabalho que permitem a saída da precariedade são cada vez mais escassas.
Não há falta de pessoas que querem e precisam de trabalhar, há falta de oportunidades dignas e inclusivas. Assim, desafiamos as empresas a investir e apostar nas pessoas. Trabalho é uma parte fundamental da vida de toda a gente e os trabalhadores são essenciais para qualquer empresa. Por isso, quando estamos a falar sobre melhorar postos de trabalho, não nos podemos esquecer dos mais vulneráveis.
REFERÊNCIAS
[1] “Quiet quitting”: em português significa “demissão silenciosa” – é quando o trabalhador mantém o seu emprego, mas irá apenas o mínimo que lhe compete, recusando a ideia de ir “para além” do seu trabalho. Fonte: https://sicnoticias.pt/mundo/2022-08-31-O-que-e-o-quiet-quitting–Conheca-a-nova-tendencia-para-trabalhar-menos-e3dc9df4
[2] “Great Resignation”: termo cunhado em maio de 2021, descreve o número recorde de pessoas a deixar os seus empregos desde o início da pandemia. Após um longo período de trabalho em casa sem deslocamentos, muitas pessoas decidiram que o equilíbrio entre vida profissional e pessoal é mais importante para elas. Essa revolução no mercado de trabalho parece continuar em ritmo acelerado, com um em cada cinco trabalhadores em todo o mundo a planear despedir-se em 2022. Fonte: https://www.weforum.org/agenda/2022/06/the-great-resignation-is-not-over/

Inês Tavares
Gestora de Operações
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