COMO PODE A SOCIEDADE DIMINUIR A REINCIDÊNCIA?

Escrito por: Inês Cardoso.

Como diminuir a reincidência? O impacto de um emprego no regresso à liberdade.

Um dos temas mais controversos de hoje em dia é se o encarceramento em prisões é o melhor método de punição que existe. As prisões têm uma base filosófica para o confinamento, como aprendizagem do isolamento. Afastado da família, dos amigos e de outros relacionamentos significativos, espera-se que o recluso, diariamente, reflita sobre o seu ato criminoso, que é o reflexo mais direto da sua punição. No entanto, existe uma teoria na criminologia, criminogenic effect1, que defende que as prisões exercem um efeito “criminógeno negativo”, que reduz as oportunidades educacionais e de emprego, mas aumenta o vínculo com colegas delinquentes e, portanto, é mais provável que leve ao envolvimento criminal contínuo. Além disso, há inúmeros estudos2 3 4 que comprovam que a maior parte da população criminal vem de famílias e comunidades mais desfavorecidas, com altos índices de pobreza social, económica e educacional, maus tratos e negligência. Deste modo, esta população apresenta problemas emocionais, comportamentais e de saúde mental que não são abordados nas prisões, sendo que o ambiente que aqui se vive enfraquece ainda mais estes constrangimentos, devido à violência e desumanização a que quem está preso está sujeito. Sendo assim, quando saem em liberdade, as mesmas razões que os fizeram recorrer à criminalidade, continuam presentes no seu dia a dia, fazendo com que exista uma maior probabilidade de reincidirem. Não só há esta questão da reabilitação, como é muito difícil para alguém que já esteve em contacto com o sistema prisional se reintegrar na comunidade.

Estas pessoas, tais como os estudos comprovaram, vieram de backgrounds difíceis, instáveis, pobres, com negligência parental ou traumas de infância, que trazem consequências comportamentais e emocionais ao longo da sua vida. Devido às experiências de vida que tiveram, esta população apresenta maior dificuldade em confiar nos outros, têm medo de mostrar emoções e são altamente reativos a pequenas provocações ou a acontecimentos stressantes. Também têm dificuldade em controlar impulsos, avaliar situações sociais e fatores de risco, fazer planos a longo prazo e entender as consequências das suas ações. Por isso, as penas privativas de liberdade podem ter um impacto significativo e prejudicial na vida destas pessoas, devido à falta de confiança em estranhos e ao sentimento de solidão, na maioria das vezes causado por experiências traumáticas no passado.

Todas estas características mencionadas anteriormente são observadas nos beneficiários do Gabinete RESHAPE. O nosso principal objetivo é ajudar estas pessoas na procura de emprego, para conseguirem uma vida estável, e não voltarem a reincidir. Estudos informam-nos que ter um emprego estável é uma parte crítica na jornada de um ex-recluso de volta à sociedade5. O emprego proporciona independência, poder de ganho, um sentimento de propósito, direção e pertença, uma rotina estruturada e contacto com a sociedade. Tem um efeito direto na redução da reincidência, ajudando a diminuir os números de crimes cometidos nas nossas comunidades. Em Portugal, estima-se que cada recluso custe ao estado 50 euros por dia, quase 20 mil euros por ano6. Juntando a este número transcendente, a taxa de reincidência é muito elevada – de 75% – sendo algo que não pode ser só culpabilizado ao indivíduo que comete o crime, mas também à sociedade, pela falta de oportunidades que oferece a estas pessoas.

É difícil para alguém que esteve em contacto com o sistema prisional arranjar um emprego quando em liberdade. Por um lado o registo criminal pode ser uma barreira, porque nem todas as empresas demonstram a sensibilidade necessária para integrar nas suas equipas um caso assim. Por outro lado, quem esteve vários anos preso vê-se em desvantagem por não ter desenvolvido novas competências necessárias hoje em dia no mercado de trabalho, como as digitais, por exemplo. Há ainda a situação da documentação desregularizada, que se deve a documentos que acabam por caducar ainda dentro da prisão. Embora a maioria das empresas queira fazer o mais vantajoso para o seu negócio, os seus clientes e os seus funcionários, é importante destacar que também podem contribuir positivamente para a sociedade, através da criação de novas oportunidades para quem esteve preso. A perspectiva de conseguir um emprego após a saída é incrivelmente motivadora. Dar a alguém uma segunda oportunidade neste momento da sua vida pode revelar-se verdadeiramente positivo para ambas as partes, num ambiente onde a confiança, o trabalho e o compromisso serão valorizados.

Claro que a cultura e o ambiente prisional são essenciais para a saúde e segurança pública. Contudo, o sistema prisional está longe de ser perfeito, trazendo mais consequências e gastos, do que segurança e estabilidade. Uma possível reforma neste setor, pode contemplar a criação de condições mais humanas aos reclusos, considerando a vida destas pessoas, e como certas punições e experiências de vida podem afetar tanto o seu futuro, como o futuro dos outros à sua volta. Reabilitação, sessões de grupo de terapia cognitivo comportamental, priorização do tratamento de saúde mental, garantir que os reclusos recebem tratamento adequado para abuso de substâncias, equipá-los com informações e recursos à medida que regressam à comunidade, e ajudá-los com a documentação antes da sua libertação, seriam algumas medidas que iriam, não só beneficiar a vida destas pessoas, como da sociedade, diminuindo a probabilidade de reincidência.

Por fim, é importante relembrar que as empresas também têm um papel muito importante neste âmbito. Um grande equívoco que existe nas empresas em contratar ex-reclusos é acharem que é “muito arriscado”, principalmente para a sua reputação. No entanto, estudos feitos no Reino Unido, onde já existem inúmeras empresas a contratar ex-reclusos (ex: Virgin Trains, Greggs e Pret a Manger) mostra que, 92% das empresas que contrataram ativamente estas pessoas, viram a sua reputação subir por causa disso7. Não esquecer, também, que esta população irá mostrar ser comprometedora e trabalhadora – porque os ex-reclusos muitas vezes estão focados em mudar as suas vidas e arranjar um emprego é uma das principais motivações para que essa mudança aconteça. Segundo uma pesquisa feita pelo Ministério da Justiça do Reino Unido7, 80% dos empregadores que contrataram ex-reclusos, avaliaram-nos como confiáveis, motivados, assíduos e trabalhadores. Deste modo, devemos encorajar mais empresas a aderirem a este movimento e reduzirem as taxas de reincidência, por meio de oportunidades que poderão mudar a vida de alguém com passado criminoso. Contratar pessoas que estiveram em contacto com o sistema prisional será uma expriência extremamente recompensadora, tanto para as empresas, como para a sociedade, sendo algo bastante benéfico para as comunidades a longo prazo.

REFERÊNCIAS

[1] Gaes, G. G., & Camp, S. D. (2009). Unintended consequences: Experimental evidence for the criminogenic effect of prison security level placement on post-release recidivism. Journal of Experimental Criminology5(2), 139-162. https://doi.org/10.1007/s11292-009-9070-z

[2] Consulting, C., & Bright, C. (2018). The relationship between family violence and youth offending (pp. 1–54). Local Government Association. https://www.local.gov.uk/publications/relationship-between-family-violence-and-youth-offending

[3] Dube, S. R., Felitti, V. J., Dong, M., Chapman, D. P., Giles, W. H., & Anda, R. F. (2003). Childhood Abuse, Neglect, and Household Dysfunction and the Risk of Illicit Drug Use: The Adverse Childhood Experiences Study. PEDIATRICS, 111(3), 564–572. https://doi.org/10.1542/peds.111.3.564

[4] Newburn, T. (2016). Social disadvantage, crime, and punishment. Social Advantage and Disadvantage, 322- 340. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780198737070.003.0016

[5] Visher, C. A., Debus-Sherrill, S. A., & Yahner, J. (2010). Employment after prison: A longitudinal study of former prisoners. Justice Quarterly28(5), 698-718. https://doi.org/10.1080/07418825.2010.535553

[6] Inácio, M. (2019, November 26). 75% dos reclusos regressam ao crime. E se houvesse uma justiça restaurativa?https://www.dn.pt/edicao-do-dia/26-nov-2019/75-dos-reclusos-regressam-ao-crime-e-se-houvesse-uma-justica-restaurativa-11551359.html#:~:text=A%20juntar%20a%20estes%20n%C3%BAmeros,Portugal%20n%C3%A3o%20foge%20%C3%A0%20regra

[7] Employing prisoners and ex-offenders. (2018, May 23). https://www.gov.uk/government/publications/unlock-opportunity-employer-information-pack-and-case-studies/employing-prisoners-and-ex-offenders

Fotografia de Natalie Grainger, via Unsplash.

Inês Cardoso
Assistente de Apoio Social na RESHAPE