PRISÃO, “CASTIGO”, REFLEXÃO, DIGNIDADE
(Ou o que um vírus, apesar dos pesares, pode fazer por nós)
Tenhamos, aliás, presente que a prisão não é sequer na nossa ordem jurídica um castigo, é sim um símbolo de proteção de bens pessoais ou comunitários essenciais, por um lado, e, por outro, segregação para a reinserção – pelo menos para a sua empenhada tentativa. Não fora assim, aliás, e a prisão faria pouco sentido como pena principal. O que me leva à segunda coisa que quero dizer: este confinamento, agora, de todos ou quase todos, obriga a pensar, desafia-nos, testa-nos, é capaz de nos fazer ir mais fundo, mais longe. Seremos melhores? Seremos diferentes? Talvez sim, talvez não. Uns sim, outros não. Mas esse confinamento, queiramos ou não, coloca à nossa frente, sem fuga, um espelho, um espelho que não tem outro lado, que se não parte, que não sai da frente, e que devolve questões, dúvidas, amores e ódios, culpas e expiações, escolhas, passado e futuro. Podemos fechar os olhos ou não, mas ele está lá. Límpido e desafiador. E isso é exatamente o que a prisão visa, sendo que o resultado do confronto connosco e com os nossos caminhos será tanto melhor, numa perspetiva de sairmos outros, quanto melhor nos orientarmos e nos orientarem no caminho. E é por isso que todos – todos e mais alguns, nunca são de mais – projetos e empenhamentos virados para a reinserção na prisão, e também, e muito, para o “depois dela”, são fundamentais para que o sistema penal e prisional tenham um sentido.
Terceiro, não há confinamento prisional civilizado, e útil, sem dignidade. O que implica, pelo menos, duas condições. Uma, que cada um possa realmente, podendo e querendo, olhar-se ao espelho, e ter condições para isso, o que sozinho dificilmente consegue. Pelo que o confinamento não pode ser simples confinamento, tem que ser acompanhado. Uma solidão partilhada, enquadrada, orientada. Outra, que um preso é uma pessoa, como outra qualquer (na sua singular diferença, que deve ser indiferente, como devem ser realmente todas as diferenças), e que apenas perdeu, por um período, algumas coisas, principalmente a sua liberdade ambulatória. Mas não perdeu o direito à saúde, por exemplo, nem à segurança, et cetera. E o sistema tem que assegurar isso. Temos que nos lembrar sempre disso, mas sobretudo em tempos de vírus, de pandemia. As prisões também são lugares de perigo, e de que maneira. Pelo que, necessariamente, também têm que ser lugares de preocupação e de proteção. Também aqui as ações, e as omissões, são profundamente éticas, como em qualquer outra dimensão de estarmos-com-os-outros. Ajudará o vírus a vermos isso melhor? Fará isso por nós, ou de nós?
Rui Patrício
Advogado e membro do Conselho Consultivo da APAC
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