VOLUNTARIADO NAS PRISÕES

(Este artigo foi originalmente publicado na edição de 13/11/2017 da Bolsa de Voluntariado)

Artigo escrito por: Duarte Fonseca

Ser voluntário em meio prisional, é viver-se a vida com os outros. Viver com os outros tem para nós, voluntários da APAC PORTUGAL (Associação de Proteção e Apoio ao Condenado), um significado especial. Significa que eu não vou mudar a realidade dos outros, mas vou entrar nessa realidade, seja ela qual for, e vivê-la a partir de dentro. Um voluntário em meio prisional é muitas vezes a única pessoa de ligação ao mundo, um mundo que muda hoje a uma velocidade nunca antes vista (já vamos no Iphone 8 e X e alguns reclusos nunca mexeram sequer num smartphone). Um voluntário em meio prisional não altera a realidade do outro, ajuda sim a que este ganhe ferramentas e instrumentos para que ele, sim, altere a sua própria realidade e o seu rumo de vida.

Ser voluntário em meio prisional é das experiências mais enriquecedoras que um voluntário pode ter, porque é fazer um exercício constante de realidade e de justiça. Ou seja, fazemos o exercício de reconhecer, sim estes Homens e Mulheres cometeram crimes, mas isso não os define. Como também a mim não me define os momentos em que berro no trânsito, isso não faz de mim uma pessoa histérica, também alguém que cometeu um ou vários erros não faz de si um monstro.

É por isso que os voluntários da APAC P não podem em caso algum perguntar: “Por que é que estão ali?”. Claro está que se eles quiserem falar sobre isso por livre e espontânea vontade o voluntário (porque entrou dessa realidade e quer entrar cada vez mais) deve aceitar, ouvir tentar perceber as razões, questionar para que o outro se questione. E tudo isto sem fazer juízos de facto ou de valor. Difícil, mas possível. Ser voluntário em meio prisional implica treino e maturidade. Treino para não julgarmos e não ficarmos pelo superficial, maturidade para sermos capazes de acolher e questionar no momento certo.
O lema é simples: “Todo o Homem é Maior que o seu erro”. E devíamos ainda acrescentar a esta frase “…e maior que os seus feitos”. Ninguém é mais do que ninguém pelo que fez (bem ou mal).
Por outro lado, ser voluntário em meio prisional traz outras responsabilidades perante a sociedade. Faz de nós os porta-vozes de pessoas isoladas e desprotegidas que sofrem de um estigma da sociedade do mais severo que existe. É impressionante o rótulo que fica para o resto da vida. Nunca ouvi falar de um um ex-depressivo ou ex-suicida, mas um indivíduo que cumpriu uma pena é e será para sempre perante a sociedade um ex-recluso. Assim, os voluntários em meio prisional tem a obrigação de desconstruir estes rótulos estigmatizantes e trabalhar para que a sociedade perceba que um indivíduo recuperado e integrado na comunidade fará da sociedade um lugar mais justo e seguro. Prender não basta. É preciso que a sociedade se envolva, tal como fazem com outros problemas sociais, para que a recuperação e a integração sejam possíveis.
Se a sociedade não se envolvesse, duvido que existisse hoje uma estratégia nacional para os sem-abrigo aprovada pelo Parlamento.
Por fim, Ser Voluntário em meio prisional é um voluntariado de longo prazo e rotineiro. Uma pessoa está presa anos, não dias, por isso o compromisso exigido aos voluntários é grande, daí a necessidade que estes já estejam a trabalhar e tenham mais ou menos definidos os próximos anos da sua vida.

Para terminar deixo duas ideias de como se pode ajudar:

1. Não podemos mudar uma realidade que não conhecemos. Apoiar a humanização do sistema prisional implica conhecer o sistema. Quantos Estabelecimentos Prisionais (EP) existem? Quais os tipos de regimes? Como são as prisões por dentro e o dia-a-dia? Qual a ligação entre o Ministério da Justiça, os EP e os tribunais? etc…

2. Envolver-nos com as prisões pode simplesmente passar por apoiar associações que já o fazem, contudo, é minha convicção que as que existem ainda não são suficientes para o trabalho que existe por fazer. O mesmo se aplica aos voluntários que ainda são poucos com as características que se procura.

Resumindo:

– Ser voluntário prisional é viver-se a vida com os outros;

– Ser voluntário prisional é ser a ligação ao mundo;

– Ser voluntário prisional é não fazer juízos de valor e/ou de facto;

– Ser voluntário prisional é desconstruir rótulos atribuídos pela sociedade e aproximar as comunidades locais;

– Ser voluntário prisional é um “trabalho” de longo prazo.