As Rotinas
Como é a rotina de uma pessoa presa em Portugal?
O dia-a-dia de uma pessoa reclusa poderá variar em função de variadíssimos fatores, alguns relacionados com o funcionamento do próprio estabelecimento prisional, outros relacionados com a vontade da pessoa reclusa, outros com o próprio regime de cumprimento de pena (*). Inevitavelmente, por questões logísticas e de espaço, as prisões têm um forte pendor institucionalizante nas rotinas. Uma pessoa reclusa vê a sua privacidade e autonomia muito coartadas. Nas horas úteis do dia – que, regra geral, termina com o fecho das celas às 19h00 – as pessoas reclusas podem, querendo, dedicar o seu tempo a educação – frequentando aulas para complementar ou aumentar os seus níveis de escolaridade; ao trabalho – que pode ser disponibilizado pelo estabelecimento prisional ou por entidades externas; ou a programas de desenvolvimento pessoal, disponibilizados pelo estabelecimento prisional ou por organizações da sociedade civil.
(*) Ver pergunta sobre os 4 regimes existentes
Como é o trabalho prestado nas prisões? É obrigatório?
O trabalho em contexto prisional não é obrigatório e as oportunidades de trabalho não abundam. No final de 2020, apenas 48,6% das pessoas reclusas tinham um trabalho. Os trabalhos para o estabelecimento prisional representam 77,9% das oportunidades de trabalho, normalmente em atividades administrativas, serviços de restauração e de apoio (como limpeza e lavandaria). Já o trabalho por conta de entidades externas representa apenas 21,9% das oportunidades de emprego, com uma clara predominância da indústria transformadora. Entre os empregadores externos, o setor privado é responsável por 67,2% das oportunidades de emprego, seguido pelas autarquias locais e pelo setor social.
O Estado Português nunca chegou a regulamentar as regras aplicáveis ao trabalho em contexto prisional. Este vazio legal conduz, não raras vezes, a situações de precariedade no trabalho, em diversas dimensões, designadamente a nível salarial e de segurança social. As queixas apresentadas junto da Provedoria de Justiça relativas a assuntos penitenciários incidem essencialmente sobre a escassez de oferta de trabalho e aspetos remuneratórios (quer quanto ao valor pago, quer quanto ao atraso no pagamento). Há casos de sucesso, como o da Delta, que contrata pessoas reclusas para reparação de máquinas de café, com condições dignas. Mas infelizmente, estes casos são ainda uma exceção.
Trabalho nas prisões portuguesas
Trabalho por tipo de atividade económica disponível nas prisões portuguesas
Trabalho por tipo de atividade económica
Trabalho por tipo de atividade económica
Entidades externas, por tipo de organização (%)
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As pessoas reclusas podem ter contacto com o exterior?
Uma pessoa reclusa beneficia de dois períodos de visita pessoal regular por semana, com duração de até uma hora cada, preferencialmente durante o fim-de-semana. Pode efetuar uma chamada telefónica por dia para o exterior, com duração máxima de cinco minutos (bem como uma chamada telefónica por dia para o seu advogado ou solicitador, com a mesma duração). O direito a visitas íntimas está expressamente previsto na lei, mas 50% dos estabelecimentos prisionais não garantem instalações apropriadas para o efeito. Este tema foi já foi alvo de recomendação da Provedoria de Justiça.
O contacto com o exterior pode também ser promovido através das licenças de saída jurisdicionais ou de curta duração, concedidas, respetivamente, pelo tribunal ou pelo diretor do estabelecimento prisional. Uma licença de saída permite que a pessoa reclusa se ausente da prisão, sem ser custodiada, por um período que pode ser curto ou chegar a 7 dias. Em 2020, foram concedidas 7.724 licenças com o objetivo de promover laços familiares e sociais e de preparar a vida em liberdade. A taxa de sucesso foi de 98,5%. Em 2020 foram implementados 2 projetos piloto inovadores de colocação de telefones em celas e aplicação em 100% da rede de estabelecimentos prisionais do acesso a vídeo-visitas.
A pena de prisão pode ser cumprida em diferentes regimes. Quais?
O regime aplicado por defeito é o regime comum (86,5%). Permite o desenvolvimento de atividades dentro do estabelecimento prisional e os apenas os contactos com o exterior mais comuns previstos na lei (por exemplo, visitas e chamadas telefónicas).
O regime de segurança é o mais restritivo de todos e também o mais raro– em 2020, apenas 83 reclusos (0,9%) cumpriam pena neste regime. É concebido para pessoas reclusas que apresentem um comportamento de elevada perigosidade, por exemplo, por terem sido condenados por crimes de terrorismo ou criminalidade organizada. Por ser um regime restritivo, tem que ser reavaliado no máximo de 6 em 6 meses. É efetuado em cela individual – onde são igualmente tomadas as refeições – dispondo a pessoa reclusa de apenas 2 horas de permanência a céu aberto, onde não são permitidos ajuntamentos de mais de 3 pessoas.
No regime aberto no interior, a pessoa reclusa pode desenvolver atividades dentro do estabelecimento prisional ou nas imediações do mesmo, com vigilância atenuada. Este regime é aplicado (e removido) pelo próprio diretor do estabelecimento prisional a pessoas reclusas que já tenham cumprido 1/6 da pena ou que tenham sido condenadas em penas não superiores a 1 ano. Em 2020, apenas 11,3% das pessoas reclusas cumpriam pena neste regime, cerca de 1.031 pessoas reclusas.
No regime aberto no exterior, a pessoa reclusa pode até ter atividades de ensino, formação profissional, trabalho e outros programas em meio livre, ou seja, fora do estabelecimento prisional e sem vigilância. Este regime só pode ser determinado pelo Diretor-Geral e tem que ser homologado por um juiz de execução de penas. É aplicado a pessoas reclusas que já tenha sido cumprido 1⁄4 da pena e tenham gozado uma licença de saída com êxito. Em 2020, apenas 117 pessoas reclusas cumpriam pena neste regime (1,3% da população). 98,3% das pessoas reclusas não registavam indícios que viessem a subtrair-se à execução da pena, pois nunca verificaram qualquer irregularidade em saída autorizada ao exterior, com ou sem acompanhamento.
Fontes
Relatório SPACE I 2020, Council of Europe Annual Penal Statistics;
Relatórios de Atividades e Autoavaliação 2019 e 2020, DGRSP;