SISTEMA PRISIONAL DE MOÇAMBIQUE

O sistema prisional Moçambicano apresenta boas intenções de assegurar um acompanhamento da população reclusa, que vão ao encontro das directrizes internacionais estabelecidas para o efeito.

Em termos práticos há limitações que comprometem a materialização destes objectivos, transformando as prisões em apenas locais de controlo e confinamento.

Reforma prisional

A primeira Constituição da República de Moçambique Independente (1975) de cariz socialista e partido único, não atribuía relevo significativo aos direitos individuais “civis e políticos”, dando primazia aos desígnios colectivos de natureza económica, social e cultural.

Foi a partir da Constituição de 1990 que o leque dos direitos fundamentais conheceu um destaque relevante, em especial, no que diz respeito aos direitos civis e políticos. Na actual Constituição da República, o leque dos direitos fundamentais ampliou-se ainda mais, sendo destacada a igualdade de género e os direitos de categoria vulneráveis, como é o caso de pessoas portadores de deficiências.

A partir dos anos 80, Moçambique assinou e ratificou vários instrumentos internacionais sobre os direitos humanos, sendo a destacar a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes de 1984, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

No que diz respeito à situação do sistema prisional, esta tem apresentado deficiências graves ao longo do tempo, reconhecidas pelo próprio Governo, que na resolução nº 65/2002 de 27 de Agosto referiu como principais problemas enfrentados pelo sistema prisional a “sobrelotação dos estabelecimentos, o estado de degradação avançada das infraestruturas e dos equipamentos, as péssimas condições sanitárias da população reclusa e a dificuldade em assegurar cuidados médicos básicos e a ausência quase total das acções de reinserção social dos delinquentes”. O diploma define uma Política Prisional e correspondente Estratégia de Evolução que tem procurado executar ao longo do tempo.

Em 2006, foi promulgada a constituição do Serviço Nacional das Prisões (SNAPRI) pelo decreto nº 7/2006 de 17 de Maio, que, enquadrando o sistema de prisões como um todo, e sendo dotado de um orçamento próprio, teria melhores condições para avaliar as necessidades prisionais, corrigir as deficiências ao seu nível e propor as medidas que ultrapassam a sua competência.

Para além disto, é criado o Serviço Nacional Penitenciário, pela lei 3/2013 de 16 de Janeiro, que tem o intuito de garantir reformas estruturais e a realização de estudos relacionados com o tratamento dos reclusos. O objetivo é assegurar as condições de reabilitação e reinserção social do cidadão condenado.

Condições de vida nas prisões

O relatório dos Direitos Humanos de 2013 referente a Moçambique considera que, embora “tenha havido melhorias em alguns estabelecimentos prisionais nacionais, as condições prisionais continuaram precárias e com potencial risco para a vida humana”. Questões de financiamento, de pessoal e instalações inadequados resultaram em sobrelotação, saneamento precário, nutrição e cuidados de saúde deficientes e em detenções arbitrárias.

Actualmente, os estabelecimentos prisionais moçambicanos registam uma sobrelotação de 222,1%, sendo a população prisional constituída por mais de 20.000 reclusos, comparando com a capacidade normal de 8.200 reclusos. Tendo em conta a população total de Moçambique, existem 61 reclusos por cada 100 mil habitantes.

O Ministério Público Moçambicano considera que a sobrelotação das cadeias é provocada pela reduzida capacidade dos estabelecimentos prisionais, pelo uso excessivo de medidas privativas da liberdade e pela fraca aplicação de medidas e penas alternativas à prisão.

Muitos distritos do país ainda não tem cadeias, situação que leva à movimentação de reclusos para outros distritos. O país conta, actualmente, com 125 estabelecimentos prisionais dos quais:

  • 3 São unidades prisionais regionais;
  • 9 unidades prisionais províncias;
  • 74 unidades prisionais distritais;
  • 33 unidades prisionais abertas;
  • 6 unidades prisionais especiais.

Tendo em conta esta falta de estabelecimentos prisionais disponíveis, a sobrelotação está a atingir níveis insustentáveis, tornando difícil a respectiva gestão, segurança, reabilitação e ressocialização dos reclusos. Assim, é urgente a adopção de uma estratégia que garanta, a curto e médio prazos, o incremento da capacidade instalada.

Para combater a sobrelotação dos estabelecimentos, o Ministério da Justiça promove julgamentos em campanha, a nível nacional, com uma “redução do número de arguidos em prisão preventiva”.

Os jovens constituem o maior número da população prisional, com 28,7% na faixa etária entre 22 e 25 anos e 35% com idade entre 26 a 35 anos. A exposição de jovens a factores de risco aumenta a possibilidade de situações de criminalidade, violência ou situações de perigo. Num país onde cerca de metade da população tem menos de 35 anos de idade e onde faltam políticas públicas que assegurem o seu acesso à educação adequada, e posterior absorção no mercado de trabalho, sendo que, dentro daqueles que conseguem emprego, parte significativa ganha o salário mínimo, é quase natural que os jovens se transformem em delinquentes.

Conclusão

O foco do sistema prisional deve ser então a reinserção eficaz e, para tal, atividades de reabilitação social são extremamente importantes para o desenvolvimento social do recluso. Existem nas prisões regionais actividades que ajudam o recluso a ter acesso à educação e a adquirir competências profissionais que facilitem a sua reintegração na sociedade: a serralharia, carpintaria, alfaiataria e a mecânica são algumas actividades de apoio disponíveis nas prisões. Porém, essas habilidades são, em várias situações, bloqueadas pela fraca abertura da sociedade em empregar um ex-condenado, o que culmina na reincidência criminal do indivíduo pela exclusão social.

A proposta de resolução do problema passa por adotar medidas que realmente reabilitem o indivíduo e facilitem a reintegração social.

Um dos modelos que vai ao alcance da finalidade da pena como um meio de reabilitação social é o sistema APAC: esta metodologia visa a reestruturação completa do sistema penitenciário comum, criando assim, um sistema onde o recluso é dotado de ferramentas profissionais e pessoais importantes para o seu desenvolvimento e reabilitação social, com possibilidade de acompanhamento e mentoria.

Esta metodologia foi criada no Brasil há 50 anos, por Valdeci António Ferreira. A taxa de reincidência do grupo abrangido por este modelo é de 2 em cada 10 reclusos, diferente do sistema comum, no qual a taxa de reincidência criminal é de 7 em cada 10 reclusos. Para além disto, o custo de investimento de cada recluso na prisão é muito baixo nas instalações APAC em relação a uma prisão normal.

Embora não tenhamos ainda a possibilidade de criar prisões com o modelo APAC em Moçambique, podemos começar por aplicar as metodologias de ensino dentro das penitenciárias comuns. Acredito que o impacto será maior nos reclusos e, assim, estaremos a contribuir para a construção de uma sociedade mais pacífica.

Referências Bibliográficas

[1] A resolução nº65/2002 de 27 de Agosto, Política Prisional e Estratégias da sua Implementação.

[2] ,https://observador.pt/2018/06/04/cadeias-mocambicanas-com-sobrelotacao-superior-a-200/

Artigo escrito por Lurdes Manuel,
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